sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Dois Mundos dois poços sem fundos


Fogos fugazes e ateados
Poços imensos sem fundo
Entardeceres acariciados
Sentimento profundo
Mergulhos de imensidão salpicados
Carícias no corpo infindáveis
Prazeres na carne cansados
Cravados na alma inolvidáveis
Seres poéticos abismados
Sublimação do preço ilusória
Sentidos mansos e pasmados
Musica doce mas provisória
A palavra escolhida
Com doçura saída
Som da maresia
Sons apagados e inaudíveis
Almas moribundas e sedentas
Princípios de novos mundos
Uma paz de aceso profundo
Um sussurro de outros mundos
Uma zanga da metáfora proferida
Renascer, o renascer de uma nova vida
Dois mundos dois fundos
Um mundo uma paz

O feitiço da Lua


Por aqueles dias vivia na aldeia um velho que por lá tinha ficado num palheiro num dia de intenso frio. Tinha batido á porta de António e Isabel, já noite escura, a pedir guarida para aquela noite. E por lá ficou. Passarem-se os anos e Edmundo, assim se chamava o velho, já era considerado um elemento da aldeia. Edmundo era um exímio contador de histórias, desde que não fosse a sua. Para qualquer situação tinha sempre uma história para contar. Ninguém sabia de onde ele vinha. No entanto todos tinham elevada estima por ele. Era uma espécie de patriarca. Era o mais ancião da aldeia. Todos recorriam a ele para a resolução de um problema ou para ouvir algum conselho. A todos ele respondia com uma história, que no final tinha um reparo ou um ensinamento.
Passado algum tempo, todos da aldeia começaram a ficar intrigados. Nada sabiam sobre ele. Alguns perguntavam-lhe o que tinha feito durante a sua vida? Como tinha chegado até ali? Vendo que os seus amigos hospitaleiros estavam cada vez mais curiosos começou por lhes contar que tinha vindo para aquela aldeia e ficado devido ao feitiço da lua.
- Andava eu na minha vida e ao olhar para a lua senti um vontade louca de a seguir.
Começou o velho por dizer. Os que o ouviam cada vez mais intrigados ficavam. Vendo que a audiência se tornava mais perplexa o velho falou.
- Sabem que o feitiço da lua comanda as nossas vidas?
-Pois voltando ao que vos queria relatar. Segui essa beleza sufocante por serras e vales. Fui sendo acarinhado por onde passei. Deram-me de comer e beber. Deram-me um tecto. Tal como vós o fizestes. E cada vez que tinha que partir era um desespero.
-Andei nisto durante sete dias até que de repente a minha amiga desapareceu. Pensei que me tinha abandonado.
O velho olhando para a assistência sentia-se feliz. Dos seus olhos sulcados pelo calor do sol caiam insignificantes lágrimas. Não eram lamentos, aquilo que lhe saia da boca. Estava a contar a sua vida.
Lua em Quarto Crescente
- Passados sete dias a minha amiga voltou, primeiro timidamente como uma donzela. Enamorei-me. Acompanhei-a por mares e oceanos. Senti a sua presença perto de mim. Confortava-me e penso que a confortei pois no mundo não houve nenhum homem que a tenha olhado tanto e tão intensamente como eu.
O velho, parou por uns momentos de contar a sua história. Sentia-se cansado. Estava a dar-se conta que era bastante doloroso reviver estes momentos da sua vida. Lembra-se que um dia no alto de cume a ter olhado e dito que era a criatura mais bonita que tinha conhecido. Que era ele e ela até aos confins dos tempos. A assistência ansiosa pelo desenrolar da história esperava com paciência que o velho a continua-se. Sabiam que no final havia sempre um recado, uma lição a tirar.
- Sabem que foram os dias mais estupendos, mais graciosos e mais plenos que tive na minha vida. Quando olhando para ela lhe sussurrava esperanças, asseios, desejos a concretizar. Quando ao lado dela os concretizei a todos. Quando em plenitude os vi criar asas e esvoaçar.
Lua Cheia
- Durante sete dias fui o homem mais feliz do mundo. Durante esses sete dias a vi crescer tornar-se cheia. Ela enchia-me com a sua imensidão. O meu barco de navegante tornava-se a mercê da sua candura. Era firme a sua beleza a sua força era de uma graciosidade que me enternecia.
Cada vez mais o velho fazia um esforço por permanecer decidido em contar a história. Mas cada vez mais a sua voz fraquejava. A sua longevidade estava a atraiçoa-lo.
Lua em Quarto Minguante
-Durante mais sete dias, tornei-me amigo. Confidente. Amante. Vi nela as agruras da vida. Acompanhei-a nos momentos mais felizes e nos meus momentos menos felizes. Senti o seu palpitar como se fosse o meu. Um palpitar sereno mas cheio de força.
O velho olha para o céu e lembrava-se da infelicidade. Lembrava-se das amarguras de saber que a existência é finita. Que por mais que tentemos prolongar a juventude a velhice vem sem dar por isso. Sentia na pele os tempos de companheirismos. Mas com grande esforço tentou focar a sua atenção na história.
Lua Nova
- Um dia sem eu contar deixei de a ver. Procurei por todo o firmamento. Nada. Nem rasto dela. Senti-me desesperado. Procurei por toda a parte a companheira dos meus dias. Perguntei, questionei a toda gente por onde passava. Ninguém me sabia dizer o que lhe aconteceu. Desesperei.
Os olhos que até ali apenas tinham vertidos pequenas gotas de lágrimas, tinham-se toldado pela corrente tumultuosa que saiam deles. Por mais esforço que fizesse apenas conseguia que a corrente aumentasse de caudal. Os aldeões vendo-o nesse desespero consolavam-no dizendo.
-Edmundo o que lá vai lá vai. Estas com connosco. Nada tens a temer. Tens um abrigo aqui para a acabar os teus dias.
No entanto num derradeiro esforço o velho agradecendo continuou a sua história.
-Sabem que eu vos agradeço muito por me terem acolhido. Estou-vos muito grato por isso. Mas devo-vos no entanto contar a parte final da história. Depois de muito ter andado pelo mundo procurando, outra igual não encontrei. Apenas aquele feitiço era bom para mim apenas aquele amor eterno era desenhado para mim. Numa das curvas da vida deixei de ter, de sentir a sua presença. Aquele feitiço era para mim a vida plena a razão da minha existência. Pensava eu nessa altura. O caminho tornou-se sinuoso. De repente dei por mim como vos já sabei em frente á casa de António e Isabel numa noite fria de inverno. E o resto já faz parte da vossa história.
- Apenas vos quero dizer uma coisa, em especial aos moços, que tal como eu na vossa idade encontrei o feitiço da lua, vós o haveis de encontrar. E quando o encontrareis não o percais nem um só momento das vossas vidas. Amem esse feitiço como se fosse uma pedra preciosa, como se sem ele não possais viver. E se essa pedra por qualquer razão desapareça não vos sintais desesperados pois sereis vós uma pedra preciosa para alguém. Apenas procurai com afinco até ao fim das vossas vidas esse alguém. Eu encontrei e sois vós.

A Fraga Casamenteira


Por aquela altura existia uma lenda que dizia que se uma rapariga com a idade de se casar se aproximasse da fraga casamenteira e lhe atirasse com uma pedra e ela ficasse presa em cima dela era certo que no ano a seguir se casaria.
Assim todos os anos as potenciais candidatas, treinavam e treinavam numa fraga próxima. Só quando já se consideravam haveis é que iam para o ermo em frente da dita fraga tentar a sua sorte
Pensaremos nós que seria fácil colocar um pequena pedra em cima de um grande morro. Mas não, a fraga tinha as suas manhas. Era escorregadia e raramente a pedra ficava lá em cima. E mais durante um ano inteiro.
Joaquina, tinha conhecido um rapaz bem afeiçoado de uma aldeia vizinha durante a festa do padroeiro São Bernardino. Nunca mais o tinha visto desde esse dia. Apesar de não acreditar na lenda, por vias das dúvidas, treinou com as suas amigas o “jogo da pedra”. A dificuldade não residia em atirar e fazer com que a pedra ficasse lá no alto da fraga. Mas sim no tempo que tinha disponível para isso. Por vezes á noite lá ia treinar.
- Meu Bom Jesus, fazei com que esta pedrinha não caia.
Dizia, erguendo a pedra para o alto e rezando um Pai Nosso. Depois sem hesitação levantava o braço bem alto e com determinação envia a pedra no caminho da fraga. Mas a fraga era maliciosa e não deixava que a pedra ficasse em cima dela. Mais uma vez, e mais outra e outra. Até se cansar. Depois de várias tentativas falhadas, lá ia para casa descansar e pensar que o Bom Jesus não a queria ainda casada esse ano.
 Iam correndo os dias naquela pacata aldeia. Os meses passavam, as moças em tempo de casar, casavam. Joaquina cada vez mais sentia que o ano do seu casamento não chegava. No entanto nunca desistiu. Quando tinha tempo, entre os afazeres diários, e em especial depois da missa de domingo, lá ia ela. Umas vezes em companhia das amigas outras vezes a socapa, atirar a pedra para a fraga. Mas ela respondia-lhe sempre que ainda não tinha chegado o seu tempo.
Passado algum tempo, Joaquina já considerava que ia ficar para tia. As duas irmãs mais novas que ela já tinham casado. Uma delas já lhe tinha dado dois sobrinhos.
Ela continuava a ter esperanças. Nunca mais viu o moço por quem se tinha afeiçoado durante a festa de dois anos antes. Nunca mais soube notícias dele. Perguntava-se, onde ele estaria, o que estaria a fazer, talvez tivesse já casado.
Numa manha de primavera, acordou muito bem-disposta. Ao tomar o mata-bicho pensou no que tinha para fazer. E que deveria arranjar um tempinho nesse dia ao entardecer para ir deitar a pedrinha a fraga casamenteira. Assim o pensou e assim o fez. Já o dia escurecia e Joaquina de frente para a fraga fazia a sua prece. De repente levantou-se um pequeno remoinho. Os cabelos dela ondulavam, numa extrema suavidade. Olhando arregalada para o centro do remoinho viu um Anjo que lhe disse.
-Não te assustes, sou o teu Anjo da Guarda. As tuas preces foram ouvidas. Pega na pedrinha redonda que se encontra a tua direita e lança-a.
Joaquina um pouco aturdida com a aparição pegou na pedrinha. Pensou que ninguém escolheria aquela pedra para a lançar. Redonda como ela era não se iria segurar em cima da fraga escorregadia. No entanto lanço-a com um fervor e uma fé que em nada fica atrás da de um santo.
Qual não foi o seu espanto que a pedra ao cair na fraga ficou lá agarrada. Não se conseguiria distinguir a fraga da pequena pedra. Tinha lá ficado gravada. E ainda se lá encontra como um pequeno diamante incrustado. O anjo voltou a falar com ela.
- Vai para casa e reza todos os dias um Pai Nosso ao Bom Jesus. Espera pelo teu casamento em paz pois ele esta para breve.
Tal como apareceu num remoinho o seu Anjo da Guarda, assim desapareceu. Ainda não era noite mas pelo caminho, Joaquina sentiu-se em paz e comungou com o universo aquela sabedoria que só as pessoas com uma fé inabalável o conseguem fazer.
Passaram-se os dias, os meses mas Joaquina mantinha aquela fé inabalável. Numa tarde de verão apareceu por casa de seu pai um moço a pedir trabalho. Era o rapaz, já feito homem por quem Joaquina se tinha afeiçoado três anos antes. Foi tamanha a alegria que como ele também não a tinha esquecido que logo ali foi marcada a data do casamento.
António e Joaquina casaram no dia do Santo Padroeiro da Aldeia, São Bernardino. Sempre que alguma coisa os afligia iam os dois até a fraga casamenteira ver o belo “diamante” que incrustado se mantinha sempre brilhante a qualquer hora do dia.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Semeio e Colho


Semeio os pensamentos
Crescem em mim fortes
Criam raízes e tornam-se árvores
Dão ramos, folhas e …
Colho os desejos
Engrandecem-me
 Turvam-me a mente
Desfaleço e morro
Semeio os desejos
As sementes germinam
De empolgamento decido
E em formas produzo
Colho as acções
Delas tiro notas
De musas faço um brinde
De tanto correr me desmorono
Semeio as acções
Repetidamente me formo
Colho os hábitos
Repetição de acções
Dominado pelo prazer
Com fulgor na mente
Semeio os hábitos
Cada um mais simples
Cada um fundo na alma se cravam
E por fim sem reservas
Colho o carácter

Era Feita

Feita estava a vida de ontem.
Afundada na doce lembrança!
O silêncio ecoa no abraço?
O selo da saliva agridoce...
Torna por fim, estado de futuro
Era feita!
Fiel defunto morreu...
Sentimento de poder renasceu!
Abrir o murmúrio, no tombo
Amordaçou os ouvidos
Fechou o sentido
Estava feita!
Era feita!

As Palavras Irreparáveis ou "O Sonho"


Algures, quase sempre em ambiente de festa, talvez junto de um altar, ela e ele pronunciavam as palavras irreparáveis. Tinham pensado nelas e no que significavam.
Tinham deixado que o tempo corresse um bom bocado depois da passagem daquele sopro mágico que os atraíra um para o outro. Tinham-se conhecido melhor. Tinham observado bem as reacções um do outro. Tinham conversado muito. Tinham construído – a partir dos planos de ambos – um único projecto. Sabiam que o sopro mágico tinha apenas o papel de iniciar uma coisa nova; e que partiria depois de algum tempo. Isso não os assustava. Iam em frente, com esperança, com alegria. E continuavam, depois de chegarem as crianças, contentes por a vida se complicar. Conversavam, discordavam, rectificavam, pediam perdão. Não à frente dos filhos, que tinham de se sentir seguros e não saberiam compreender; que poderiam julgar que o pai e a mãe discutiam. Sucedia, normalmente, cedo ou tarde, o desencanto, a perda de sentido, a vontade de deixar tudo e procurar de novo, noutro lugar, um outro sopro mágico. Mas tinham empenhado a palavra. Tinham pronunciado as palavras que – dentro deles e à sua volta – não tinham retorno.
Ficavam. Iam ficando. Às vezes com prolongada dor, às vezes com um heroísmo de que não se julgavam capazes. O tempo, porém, trazia, devagar, a calma, a alegria serena, a luz que parecia ter desaparecido. Aprendiam que o amor também passa como que por uma conturbada fase de adolescência, até que vem a tornar-se maduro, se purifica, se fortalece e embeleza.
Depois ficavam tão contentes! Tudo tinha sido útil, tudo tinha tido o seu papel. Também a dor; também os esforços que pareciam inúteis; e as cedências e os silêncios e as humilhações.
Viam com toda a clareza como por coisa perdida tinham ganhado mil; como por cada lágrima derramada tinham oceanos de sorrisos; como por cada generosa tentativa, aparentemente frustrada, haviam recolhido cestos e cestos de consolação. Olhavam e viam os filhos e os netos; a casa cheia de rebuliço; tranças louras; corridas atrás do gato; o indescritível prazer de voltar a contar as velhas histórias. “Avó, conta outra vez a da Cinderela”…; “Avô, é mesmo verdade que antes havia duas R.T.P.?”… Viam, como num sonho, o passado e o futuro unidos por um nó que eram eles mesmos. Um nó que nada tinha podido quebrar e permitira o futuro, novos seres, outros sonhos tão iguais aos que eles mesmos tinham sonhado. Haviam suportado a tempestade e passado o Cabo; a Índia estava ali à frente dos olhos; o caminho, aberto para tantos e tantos cujos rostos eles nem sequer imaginavam. Tinham tido um lugar no longo fio da vida; tinham sido alicerce e cimento; tinham as mãos cheias de sol. Nunca morreriam.……………….
(Pode parecer que estive aqui a descrever um quadro que me encantou num museu qualquer… mas não. Sei muito bem que isto, só isto, é real e verdadeiro; que só isto é de hoje e de sempre.)

domingo, 1 de novembro de 2009

O pote rachado


Havia na Índia um carregador de água que transportava – em ambas as pontas de uma vara que levava atravessada no pescoço – dois potes grandes de barro. Um dos potes tinha uma racha e o outro era perfeito. O pote perfeito chegava sempre cheio ao final do longo caminho que ia do poço até à casa do patrão. Mas o pote rachado chegava apenas com metade da água.
E assim, durante dois anos, o carregador entregou diariamente um pote e meio de água em casa do seu senhor. O pote perfeito, é claro, estava orgulhoso do seu trabalho.
O pote rachado, porém, estava envergonhado da sua imperfeição. Sentia-se miserável por apenas ser capaz de realizar metade da tarefa a que estava destinado. Depois de perceber que, ao longo de dois anos, não tinha passado de uma amarga desilusão, o pote disse um dia ao homem, à beira do poço:



- Estou envergonhado e quero pedir-te desculpa. Durante estes dois anos só entreguei metade da minha carga, porque a minha racha faz com que a água se vá derramando ao longo do caminho. Por causa do meu defeito, tu fazes o teu trabalho e não ganhas todo o salário que os teus esforços mereciam. O homem ficou triste com a tristeza do velho pote, e disse-lhe com compaixão:


- Quando voltarmos para casa do meu senhor, quero que repares nas flores que se encontram à beira do caminho. De facto, à medida que iam subindo a montanha, o pote rachado reparou em que havia muitas flores selvagens à beira do caminho e ficou mais animado.
Mas no final do percurso, tendo-se vazado mais uma vez metade da água, o pote sentiu-se mal de novo e voltou a pedir desculpa ao homem pela sua falha. Então, o homem disse ao pote:




- Reparaste em que, ao longo do caminho, só havia flores de teu lado? Reparaste também em que, quando vínhamos do poço, todos os dias, tu ias regando essas flores? Ao longo de dois anos, eu pude colher flores para ornamentar a mesa do meu senhor. Se tu não fosses assim como és, ele não poderia ter essa beleza para dar graça à sua casa.



(Autor desconhecido)

Existe por estes lados

Existe por estes lados! 
O lado do dado voou...
Fingiu ser tudo determinado!
Mergulhou no silêncio do som.
Afogou-se o pensamento vasto.
Murmúrio comedido, ecoa.
Estará louco ou fingido?
Será sufoco ou excesso?
Terminou por estes lados

Existiu por estes lados!

O tempo e o espaço

Sentia-se pesado. Não estando apaixonado por ela, a sua companhia fazia-lhe bem. Era um misto de prazer e profundo carinho. Notava nela algo mais que isso. Companheirismo. Requeria dele a presença constante. Era um arrebatamento que em determinadas alturas, a ela lhe doía a alma. Ele não sentia o mesmo. Mas sentia o dela, e com ela se arrebatava. Com ela trocavam feridas abertas. Ela sem falar. Ele derramando tudo para fora. Outras vezes apenas estava. Tornava-se leve o momento em que falavam de coisas banais. Pesado quando se tocavam em emoções. Apenas o era existia. Apenas o sentir se proclamava. Apenas desabafava existia. A torrente aumentou o caudal. O abraço tornou-se mais amplo. As canseiras tornavam-se motor de tudo. O rodopio da carne fingia ser panaceia para todos os males.
No inicio ele colocava o tom no seu pensar. Não sabia o que queria. Apenas lhe dizia o que não queria. Sentia-se no carrossel das emoções. Perigoso, mas de nada fugia. Não, não era palavra do seu dicionário. Assumiu o compromisso interno. Em piruetas amargas e cheias de suor amarou o barco no porto. Em nada se mostravam. Não se regiam por compromisso nenhum. Apenas o que cada ser humano deve ser para si próprio, amado e amante. Ele pensando nela.
Tornava-se incrédulo. Partilhava o espaço dela. A sua imagem, o seu cheiro quando saía, ficavam lá. Ela pensando verificava que algo dele ficava para trás. Ele, dela trazia lembranças de bons mementos passados. De algumas indisposições. Mas pouco mais. Os contactos passaram a ser mais frequentes. As emoções vividas mais fortes. O partilhar era o mútuo. Partilhavam ideias. Partilhavam emoções. Partilhavam vivencias. Partilhavam corpos. No fundo a disponibilidade dele comandava. O espaço de partilha era dela. Mas o tempo de partilha era dele. O humor, em determinadas alturas, alterava-se. O espaço tornava-se pequeno para ele. Dono do mundo se sentia. O mundo para ele era pequeno demais. O tempo para ela era escasso. Queria todo o tempo do mundo. Queria ser dona do tempo. Pouco tempo não era nada. Tempo nenhum era insuportável.

Quem Amamos?


Quem amamos? O que amamos? Porque precisamos de amar algo, alguma coisa ou alguém? Amamos pura e simplesmente! A comichão que se sente torna-se insuportável. É atroz pensar que nada nos faz sentir melhor. A sensação de formigueiro mantêm-se e nada sai de nós. Sentimos força e nada podemos fazer. O objecto de amor está longínquo. Inalcançável. Tornamo-nos prisioneiros desse sentir. As mãos tremem. Os poros do no corpo abrem-se. Torrentes de mar saem deles. Paralisia cerebral. A paixão invade-nos. Morremos em pequenos momentos. Apenas pensamos no objecto dessa paixão. Todas as energias vão nesse sentido. Todas as células do nosso corpo trabalham para esse fim. O direito de possuir torna-se realidade imaginada. Todo o deslocamento é apenas miragem. O pensamento voa para o mesmo mundo. Temos momentos de lucidez ocultados por loucura fugidia. É o reino da satisfação. Existe e é puramente estonteante. Cegos e longe do mundo hibernamos em nos próprios. Somos autómatos movidos pela saborosa loucura do prazer. Apenas interesse temos em nos satisfazer. Apenas as sensações comandam. A cegueira chega. Os nossos olhos apenas vêm aquilo que querem ver. Tornamo-nos fortes e invencíveis. O prazer aparece. A explosão acontece. Surpreendidos queremos mais. Repetem-se as mesmas sensações. A cegueira volta. O objecto de paixão sente-se usado. Muda a aparência. Volta a ser apenas objecto de desejo. Finda a loucura fugaz.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

O Banqueiro




Uma tarde um famoso banqueiro ia na sua "limousine" quando viu dois homens na berma da estrada comendo relva. 
Ordenou ao seu motorista que parasse e saindo perguntou a um deles 
- Porque estão a comer relva ?
Não temos dinheiro para comida. - Disse o pobre homem – Por isso temos que comer relva.
- Bem, então venham a minha casa e eu vos darei de comer – disse o banqueiro.
- Obrigado, mas tenho a minha mulher e dois filhos comigo. Estão ali, debaixo daquela árvore.

 - Que venham também – disse novamente o banqueiro.
Voltando-se para o outro homem disse-lhe:
- Você também pode vir.
O homem, com uma voz muito sumida disse:
- Mas, Senhor, eu também tenho esposa e seis filhos comigo!
- Pois que venham também. Respondeu o banqueiro.
Entraram todos no enorme e luxuoso carro. Uma vez a caminho, um dos homens olhou o banqueiro e disse:
- O senhor é muito bom. Obrigado por nos levar a todos!  

O banqueiro respondeu: - Meu caro, não tenha vergonha, fico muito feliz por fazê-lo!  

Vão ficar encantados com a minha casa.... a relva está com mais de 20 centímetros de altura!  

Moral da história:
Quando pensares que um banqueiro te está a ajudar, pensa duas vezes!!!

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Quem Perde o Corpo é a Língua.


Conta-se em Angola que há muito tempo um caçador, voltando para sua aldeia, encontrou uma caveira num oco de pau. Assustado, olhou desconfiadamente de um lado para o outro, temendo alguma armadilha ou uma das muitas artimanhas dos espíritos que faziam da floresta seu lar. Mesmo ainda muito espantado, tomou coragem e se aproximou para observar.
Nesse momento, a Caveira chamou-o e pediu:
— Chegue mais perto, caçador, que eu não mordo, não!
Mas quem diz que ele a atendeu. Mais desconfiado do que propriamente assustado, o caçador ficou onde estava e somente depois de mais algum tempo juntou um restinho de coragem e perguntou:
— Quem a pôs nesse lugar, Caveira?
— Foi a Morte, caçador — apressou-se ela a responder.
— E quem a matou?
Enigmática, os olhos brilhando nas órbitas vazias, a Caveira voltou a responder:
— Quem perde o corpo é a língua!
O caçador voltou para casa e contou aos companheiros o que acontecera. Ninguém acreditou, mas conversa vai, conversa vem a história da Caveira que falava no meio da floresta foi se espalhando, espalhando, até que muita gente dela falava. Dias mais tarde o caçador passou pelo mesmo pedaço escuro e sombrio da floresta e tornou a ver a Caveira no mesmo lugar, ajeitada caprichosamente num oco de uma enorme e igualmente assustadora árvore. Tornou a fazer as mesmas perguntas e, como era de esperar, ouviu as mesmas respostas. Mais
que depressa o caçador correu para a aldeia e, todo orgulhoso de si mesmo, pois afinal era o único que encontrava e conversava com a misteriosa Caveira, teimou em contar a história aos companheiros. A verdade é que tanto ele contou que muitos começaram a ficar
com raiva dele... afinal de contas, que Caveira era aquela que só falava com ele?
E por quê? Seria mentira?
Por fim, acabaram dizendo:
— Vamos ver essa tal Caveira de que fala tanto, mas ouça bem: se ela não disser coisa alguma que se pareça com tudo isso que você tem dito a nós, vamos lhe dar lá mesmo a maior surra de pau que você já levou para deixar de ser mentiroso, ouviu bem?
Certo que a Caveira não o decepcionaria, mais do que depressa o caçador os conduziu até a sua estranha companheira. Vendo-a, apressou-se em lhe fazer as tais perguntas de que tanto falara, mas a Caveira não murmurou sequer qualquer coisa. Calada estava, calada ficou. Mais o caçador perguntava, mas ela ficava calada. Nem um “ai”, quanto mais uma resposta.
Diante dos olhares ameaçadores dos companheiros, ele ainda tentou argumentar, dizer qualquer coisa, encontrar um jeito de...
Mas ninguém quis saber de conversa e muito menos de explicação. Caíram sobre ele com toda a raiva do mundo e deram-lhe uma grande surra. A maior que já levara. Foram embora reclamando muito e gritando:
— Mentiroso! Pobre caçador!
Todo machucado, o corpo dolorido, ficou estirado no chão, gemendo. Só com muito esforço, conseguiu forças para ficar de pé. Quando finalmente conseguiu se levantar, olhou cheio de raiva para a Caveira e resmungou:
— Olha bem, coisa do diabo, o que fez comigo!
Os olhos dela cintilaram quase zombeteiramente e, depois de algum tempo, ela afirmou:
— Quem perde o corpo é a língua, meu amigo, é a língua...
E cá entre nós, com toda razão!
O caçador, bem machucado, foi para casa e, dessa vez, calou-se, guardando para si aquilo que somente ele ouvira.
Mukuendangó, Mukúfuangó, Mukuzuelangó, Mukuiangó.
(Por andar à toa, morre-se à toa; porfalar à toa, vai-se à toa!)
Lendas Negras de Júlio Emílio Braz – Quimbundo

Dela



A jogada tinha sido feita com vontade. A roleta girava. Dela, assim se chamava, tinha á sua mercê o casino. A obtenção de dinheiro fácil tinha feito dela, uma perita em números, em sequência de números. Jogando na roleta ou em outro jogo o lucro era sempre superior ao prejuízo. Com frenesim tentou a jogada. Tinha apostado alto. Quando o resultado saiu, o suspiro da plateia tornou-se insuportável para ela. Dela tinha perdido. Tinha perdido tudo. Saiu da mesa em passo rápido e desanimado. Olhou para as ranhuras das máquinas. Tinha algumas moedas que lhe apertavam no bolso. Decidiu sair do casino. Vagueou pelas ruas da cidade que conhecia bem. A noite estava luminosa. O néon das luzes das diversas lojas, misturavam-se com a luz da lua cheia. De vez em quando Dela acenava para alguém que passava. Eram três da manha. Sentiu-se só. Pegou no telefone. Digitou alguns números. Do outro lado a resposta que não estava a espera. Desligou ainda o gravador não tinha acabado. Voltou-se para parque onde tinha deixado o carro. De repente sentiu um calafrio. Alguém a estava a seguir. Voltou-se. Nada viu. Continuou apressando o passo. Entrou no carro e a grande velocidade arrancou. Acendeu um cigarro e ligou o rádio enquanto percorria as avenidas vazias

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quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O pecado do meu irmão

Neste momento era ele que me importunava. Era ele que se sentia fraco. Era ele que esperava por ver nos meus olhos o seu peito feito. Mas eu não sabia como. Não tinha treino para isso. Meu irmão Guilherme tinha-se desfeito de amores por Vera, mulher casada e com descendência. Mulher bonita como a primavera em finais de Março. Tinha colocado a pele do meu irmão em perfeita irritação de amores. Estranhei não me ter acontecido o mesmo. Cada situação ocorrida ao meu irmão em dobro me acontecia a mim. Vera era bastante límpida, seja feita a devida vénia, e de uma esperteza atroz. Moisés, seu marido era nosso parceiro de trabalho.

Cheirava a cedo nesse dia, mas a vida dele tinha pressa em se realizar. Assim sem nada me dizer, Guilherme, dirigiu-se a casa dela. Sabendo que o caminho era livre, irrompeu casa a dentro. Declarou a sua irritação de pele. Ela atarefada na espera sentiu as pernas quebrar quando recebeu o beijo a muito esperado. Declararam-se marido e mulher naquele momento. E noutros momentos a seguir. Moisés, nem ousou sonhar que a sua mulher se encontrava nos aconchegos de outro homem. Era dono e senhor do seu castelo. E portanto de pouco serviria sonhar se tudo lhe pertencia. Vera era sua propriedade. Assim se pensa por estas paragens. Guilherme tinha o máximo dos cuidados. Todo ele era cuidado, na hora de entrar por aquela porta de perdição. As tardes eram assim passadas em deleite.

Eu e o meu irmão


Dia cinzento depois de vários dias de sol. Sentia-me eu desta forma tal como o céu em Agosto quando lhe disseram que deveria ser de Outubro. Desgostoso e com a alma fora do corpo. Depois de varias tentativas falhadas por apaziguar os sofrimentos do meu irmão. Tinha acabado de sentir o despeito de uma mulher. Meu irmão gémeo, sentia-se pesado e sem forças. Jurava a si mesmo que jamais olharia para uma mulher. Não mais faria vénias a uma mulher. Todos os problemas que nos apareciam pela frente eram esconjurados pelos dois. Cada situação exigia sintonia neural. Éramos seguimento um do outro. Desde as traquinices de infância nos sentíamos unidos.
Mas neste momento nada me apetecia fazer a não ser ouvir. Sentir o silêncio das suas palavras. Sentar-me e remoer a sua cor facial. Vermelhas eram as cores das palavras que saiam da sua boca. Sentia nele, e por isso em mim, uma certa fraqueza de pernas. O vento do dia fresco de Agosto batia sem cessar nas nossas caras. O meu sonho, o nosso sonho não aprendera a viajar. Sentia-se preso a terra vermelha que nos circundava. A nossa estrada era triste. Tinha-o acompanhado pelas paragens de uma terra que não era nossa. Procurava, ele, a vida e eu segui-o. O meu cansaço tornava-se velho. Velho me tornava nas suas palavras. Por isso o silêncio era o meu refúgio. Ouvia-o como a fonte ouve a água escorrer. Sem tristeza sem paixão. Apenas ouvia. Ecoava dentro de mim.
Sentia os olhos cheios de dia. Mas não os consegui abrir. Rezávamos juntos. Chorávamos juntos há muito tempo. Sentia falta de sentido. Como alguém dizia não é segurando nas assas do pássaro que ele aprende a voar. Assim sendo estava claro nos meus pés que deveria por estrada neles. Mas eles não obedeciam. Sentiam-se perdidos em chão que meu irmão não pisasse. O brilho nos olhos era feito de sonhos grandes. O receio em falhar tornava-os fracos. Sem a companhia, de peito feito do meu irmão, tornavam-se pequenas sementes sem chão para germinar.
No inicio da minha meninice sentia-me constrangido. Fui o segundo a nascer. Fui sempre o segundo. Era o Guilherme e o segundo. Em circunstâncias especiais tratavam-me pelo diminutivo Beto. Foi ele o primeiro a andar, a falar, a ler, a escrever e tudo o mais. Éramos inseparáveis no entanto. Onde estava o Guilherme estava o segundo. Isto pouco me importava. Quando alguma coisa era bem-feita. Tinha sido o Guilherme. Eu, resguarda-me inventado historias onde eu era o protagonista principal. Era o super herói. O meu super heroi.
Em determinada ocasião as forças cresceram em mim. A propósito de uma situação sem história estrebuchei com meu irmão. Ele surpreso fincou os olhos em mim. Com o silêncio me desarmou. Desde esse dia passei a recear aquele olhar. Apenas me resignei ao meu canto escuro. Tinha desta forma, formatado a minha vida. A luz e sombra estavam sempre presentes. Certa vez, no recreio da escola, por não ter respondido a uma questão, que já não me lembro, levei tal arraial de porrada de um colega que o meu espírito se separou do meu corpo. Ainda vi no entanto Guilherme a socorrer-me e ao mesmo tempo a enfiar o nariz do meu agressor pela cara dentro. Desde esse dia decidi que guerra não era meu afazer. O medo faz aumentar as distâncias. Distância era o que queria sobre alguma coisa que cheira-se a bulha.
Guilherme tinha-me arrastado, para esta terra de nenhures. Dizia que nada fazemos se nada queremos fazer. Que para ele a oportunidade de viajar é mais forte que a de criar raízes. Apenas temos de voar. De sentir o cheiro do som. O som de outro lado e não do que esta a nossa frente. Que para sentir a vida devemos forçar-nos a não perder a esperança a não fugir. Não queria perder confiança e esconder-se. Achei nessa altura sábias as palavras. Por isso o acompanhei