sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Dois Mundos dois poços sem fundos


Fogos fugazes e ateados
Poços imensos sem fundo
Entardeceres acariciados
Sentimento profundo
Mergulhos de imensidão salpicados
Carícias no corpo infindáveis
Prazeres na carne cansados
Cravados na alma inolvidáveis
Seres poéticos abismados
Sublimação do preço ilusória
Sentidos mansos e pasmados
Musica doce mas provisória
A palavra escolhida
Com doçura saída
Som da maresia
Sons apagados e inaudíveis
Almas moribundas e sedentas
Princípios de novos mundos
Uma paz de aceso profundo
Um sussurro de outros mundos
Uma zanga da metáfora proferida
Renascer, o renascer de uma nova vida
Dois mundos dois fundos
Um mundo uma paz

O feitiço da Lua


Por aqueles dias vivia na aldeia um velho que por lá tinha ficado num palheiro num dia de intenso frio. Tinha batido á porta de António e Isabel, já noite escura, a pedir guarida para aquela noite. E por lá ficou. Passarem-se os anos e Edmundo, assim se chamava o velho, já era considerado um elemento da aldeia. Edmundo era um exímio contador de histórias, desde que não fosse a sua. Para qualquer situação tinha sempre uma história para contar. Ninguém sabia de onde ele vinha. No entanto todos tinham elevada estima por ele. Era uma espécie de patriarca. Era o mais ancião da aldeia. Todos recorriam a ele para a resolução de um problema ou para ouvir algum conselho. A todos ele respondia com uma história, que no final tinha um reparo ou um ensinamento.
Passado algum tempo, todos da aldeia começaram a ficar intrigados. Nada sabiam sobre ele. Alguns perguntavam-lhe o que tinha feito durante a sua vida? Como tinha chegado até ali? Vendo que os seus amigos hospitaleiros estavam cada vez mais curiosos começou por lhes contar que tinha vindo para aquela aldeia e ficado devido ao feitiço da lua.
- Andava eu na minha vida e ao olhar para a lua senti um vontade louca de a seguir.
Começou o velho por dizer. Os que o ouviam cada vez mais intrigados ficavam. Vendo que a audiência se tornava mais perplexa o velho falou.
- Sabem que o feitiço da lua comanda as nossas vidas?
-Pois voltando ao que vos queria relatar. Segui essa beleza sufocante por serras e vales. Fui sendo acarinhado por onde passei. Deram-me de comer e beber. Deram-me um tecto. Tal como vós o fizestes. E cada vez que tinha que partir era um desespero.
-Andei nisto durante sete dias até que de repente a minha amiga desapareceu. Pensei que me tinha abandonado.
O velho olhando para a assistência sentia-se feliz. Dos seus olhos sulcados pelo calor do sol caiam insignificantes lágrimas. Não eram lamentos, aquilo que lhe saia da boca. Estava a contar a sua vida.
Lua em Quarto Crescente
- Passados sete dias a minha amiga voltou, primeiro timidamente como uma donzela. Enamorei-me. Acompanhei-a por mares e oceanos. Senti a sua presença perto de mim. Confortava-me e penso que a confortei pois no mundo não houve nenhum homem que a tenha olhado tanto e tão intensamente como eu.
O velho, parou por uns momentos de contar a sua história. Sentia-se cansado. Estava a dar-se conta que era bastante doloroso reviver estes momentos da sua vida. Lembra-se que um dia no alto de cume a ter olhado e dito que era a criatura mais bonita que tinha conhecido. Que era ele e ela até aos confins dos tempos. A assistência ansiosa pelo desenrolar da história esperava com paciência que o velho a continua-se. Sabiam que no final havia sempre um recado, uma lição a tirar.
- Sabem que foram os dias mais estupendos, mais graciosos e mais plenos que tive na minha vida. Quando olhando para ela lhe sussurrava esperanças, asseios, desejos a concretizar. Quando ao lado dela os concretizei a todos. Quando em plenitude os vi criar asas e esvoaçar.
Lua Cheia
- Durante sete dias fui o homem mais feliz do mundo. Durante esses sete dias a vi crescer tornar-se cheia. Ela enchia-me com a sua imensidão. O meu barco de navegante tornava-se a mercê da sua candura. Era firme a sua beleza a sua força era de uma graciosidade que me enternecia.
Cada vez mais o velho fazia um esforço por permanecer decidido em contar a história. Mas cada vez mais a sua voz fraquejava. A sua longevidade estava a atraiçoa-lo.
Lua em Quarto Minguante
-Durante mais sete dias, tornei-me amigo. Confidente. Amante. Vi nela as agruras da vida. Acompanhei-a nos momentos mais felizes e nos meus momentos menos felizes. Senti o seu palpitar como se fosse o meu. Um palpitar sereno mas cheio de força.
O velho olha para o céu e lembrava-se da infelicidade. Lembrava-se das amarguras de saber que a existência é finita. Que por mais que tentemos prolongar a juventude a velhice vem sem dar por isso. Sentia na pele os tempos de companheirismos. Mas com grande esforço tentou focar a sua atenção na história.
Lua Nova
- Um dia sem eu contar deixei de a ver. Procurei por todo o firmamento. Nada. Nem rasto dela. Senti-me desesperado. Procurei por toda a parte a companheira dos meus dias. Perguntei, questionei a toda gente por onde passava. Ninguém me sabia dizer o que lhe aconteceu. Desesperei.
Os olhos que até ali apenas tinham vertidos pequenas gotas de lágrimas, tinham-se toldado pela corrente tumultuosa que saiam deles. Por mais esforço que fizesse apenas conseguia que a corrente aumentasse de caudal. Os aldeões vendo-o nesse desespero consolavam-no dizendo.
-Edmundo o que lá vai lá vai. Estas com connosco. Nada tens a temer. Tens um abrigo aqui para a acabar os teus dias.
No entanto num derradeiro esforço o velho agradecendo continuou a sua história.
-Sabem que eu vos agradeço muito por me terem acolhido. Estou-vos muito grato por isso. Mas devo-vos no entanto contar a parte final da história. Depois de muito ter andado pelo mundo procurando, outra igual não encontrei. Apenas aquele feitiço era bom para mim apenas aquele amor eterno era desenhado para mim. Numa das curvas da vida deixei de ter, de sentir a sua presença. Aquele feitiço era para mim a vida plena a razão da minha existência. Pensava eu nessa altura. O caminho tornou-se sinuoso. De repente dei por mim como vos já sabei em frente á casa de António e Isabel numa noite fria de inverno. E o resto já faz parte da vossa história.
- Apenas vos quero dizer uma coisa, em especial aos moços, que tal como eu na vossa idade encontrei o feitiço da lua, vós o haveis de encontrar. E quando o encontrareis não o percais nem um só momento das vossas vidas. Amem esse feitiço como se fosse uma pedra preciosa, como se sem ele não possais viver. E se essa pedra por qualquer razão desapareça não vos sintais desesperados pois sereis vós uma pedra preciosa para alguém. Apenas procurai com afinco até ao fim das vossas vidas esse alguém. Eu encontrei e sois vós.

A Fraga Casamenteira


Por aquela altura existia uma lenda que dizia que se uma rapariga com a idade de se casar se aproximasse da fraga casamenteira e lhe atirasse com uma pedra e ela ficasse presa em cima dela era certo que no ano a seguir se casaria.
Assim todos os anos as potenciais candidatas, treinavam e treinavam numa fraga próxima. Só quando já se consideravam haveis é que iam para o ermo em frente da dita fraga tentar a sua sorte
Pensaremos nós que seria fácil colocar um pequena pedra em cima de um grande morro. Mas não, a fraga tinha as suas manhas. Era escorregadia e raramente a pedra ficava lá em cima. E mais durante um ano inteiro.
Joaquina, tinha conhecido um rapaz bem afeiçoado de uma aldeia vizinha durante a festa do padroeiro São Bernardino. Nunca mais o tinha visto desde esse dia. Apesar de não acreditar na lenda, por vias das dúvidas, treinou com as suas amigas o “jogo da pedra”. A dificuldade não residia em atirar e fazer com que a pedra ficasse lá no alto da fraga. Mas sim no tempo que tinha disponível para isso. Por vezes á noite lá ia treinar.
- Meu Bom Jesus, fazei com que esta pedrinha não caia.
Dizia, erguendo a pedra para o alto e rezando um Pai Nosso. Depois sem hesitação levantava o braço bem alto e com determinação envia a pedra no caminho da fraga. Mas a fraga era maliciosa e não deixava que a pedra ficasse em cima dela. Mais uma vez, e mais outra e outra. Até se cansar. Depois de várias tentativas falhadas, lá ia para casa descansar e pensar que o Bom Jesus não a queria ainda casada esse ano.
 Iam correndo os dias naquela pacata aldeia. Os meses passavam, as moças em tempo de casar, casavam. Joaquina cada vez mais sentia que o ano do seu casamento não chegava. No entanto nunca desistiu. Quando tinha tempo, entre os afazeres diários, e em especial depois da missa de domingo, lá ia ela. Umas vezes em companhia das amigas outras vezes a socapa, atirar a pedra para a fraga. Mas ela respondia-lhe sempre que ainda não tinha chegado o seu tempo.
Passado algum tempo, Joaquina já considerava que ia ficar para tia. As duas irmãs mais novas que ela já tinham casado. Uma delas já lhe tinha dado dois sobrinhos.
Ela continuava a ter esperanças. Nunca mais viu o moço por quem se tinha afeiçoado durante a festa de dois anos antes. Nunca mais soube notícias dele. Perguntava-se, onde ele estaria, o que estaria a fazer, talvez tivesse já casado.
Numa manha de primavera, acordou muito bem-disposta. Ao tomar o mata-bicho pensou no que tinha para fazer. E que deveria arranjar um tempinho nesse dia ao entardecer para ir deitar a pedrinha a fraga casamenteira. Assim o pensou e assim o fez. Já o dia escurecia e Joaquina de frente para a fraga fazia a sua prece. De repente levantou-se um pequeno remoinho. Os cabelos dela ondulavam, numa extrema suavidade. Olhando arregalada para o centro do remoinho viu um Anjo que lhe disse.
-Não te assustes, sou o teu Anjo da Guarda. As tuas preces foram ouvidas. Pega na pedrinha redonda que se encontra a tua direita e lança-a.
Joaquina um pouco aturdida com a aparição pegou na pedrinha. Pensou que ninguém escolheria aquela pedra para a lançar. Redonda como ela era não se iria segurar em cima da fraga escorregadia. No entanto lanço-a com um fervor e uma fé que em nada fica atrás da de um santo.
Qual não foi o seu espanto que a pedra ao cair na fraga ficou lá agarrada. Não se conseguiria distinguir a fraga da pequena pedra. Tinha lá ficado gravada. E ainda se lá encontra como um pequeno diamante incrustado. O anjo voltou a falar com ela.
- Vai para casa e reza todos os dias um Pai Nosso ao Bom Jesus. Espera pelo teu casamento em paz pois ele esta para breve.
Tal como apareceu num remoinho o seu Anjo da Guarda, assim desapareceu. Ainda não era noite mas pelo caminho, Joaquina sentiu-se em paz e comungou com o universo aquela sabedoria que só as pessoas com uma fé inabalável o conseguem fazer.
Passaram-se os dias, os meses mas Joaquina mantinha aquela fé inabalável. Numa tarde de verão apareceu por casa de seu pai um moço a pedir trabalho. Era o rapaz, já feito homem por quem Joaquina se tinha afeiçoado três anos antes. Foi tamanha a alegria que como ele também não a tinha esquecido que logo ali foi marcada a data do casamento.
António e Joaquina casaram no dia do Santo Padroeiro da Aldeia, São Bernardino. Sempre que alguma coisa os afligia iam os dois até a fraga casamenteira ver o belo “diamante” que incrustado se mantinha sempre brilhante a qualquer hora do dia.