terça-feira, 3 de novembro de 2009

Semeio e Colho


Semeio os pensamentos
Crescem em mim fortes
Criam raízes e tornam-se árvores
Dão ramos, folhas e …
Colho os desejos
Engrandecem-me
 Turvam-me a mente
Desfaleço e morro
Semeio os desejos
As sementes germinam
De empolgamento decido
E em formas produzo
Colho as acções
Delas tiro notas
De musas faço um brinde
De tanto correr me desmorono
Semeio as acções
Repetidamente me formo
Colho os hábitos
Repetição de acções
Dominado pelo prazer
Com fulgor na mente
Semeio os hábitos
Cada um mais simples
Cada um fundo na alma se cravam
E por fim sem reservas
Colho o carácter

Era Feita

Feita estava a vida de ontem.
Afundada na doce lembrança!
O silêncio ecoa no abraço?
O selo da saliva agridoce...
Torna por fim, estado de futuro
Era feita!
Fiel defunto morreu...
Sentimento de poder renasceu!
Abrir o murmúrio, no tombo
Amordaçou os ouvidos
Fechou o sentido
Estava feita!
Era feita!

As Palavras Irreparáveis ou "O Sonho"


Algures, quase sempre em ambiente de festa, talvez junto de um altar, ela e ele pronunciavam as palavras irreparáveis. Tinham pensado nelas e no que significavam.
Tinham deixado que o tempo corresse um bom bocado depois da passagem daquele sopro mágico que os atraíra um para o outro. Tinham-se conhecido melhor. Tinham observado bem as reacções um do outro. Tinham conversado muito. Tinham construído – a partir dos planos de ambos – um único projecto. Sabiam que o sopro mágico tinha apenas o papel de iniciar uma coisa nova; e que partiria depois de algum tempo. Isso não os assustava. Iam em frente, com esperança, com alegria. E continuavam, depois de chegarem as crianças, contentes por a vida se complicar. Conversavam, discordavam, rectificavam, pediam perdão. Não à frente dos filhos, que tinham de se sentir seguros e não saberiam compreender; que poderiam julgar que o pai e a mãe discutiam. Sucedia, normalmente, cedo ou tarde, o desencanto, a perda de sentido, a vontade de deixar tudo e procurar de novo, noutro lugar, um outro sopro mágico. Mas tinham empenhado a palavra. Tinham pronunciado as palavras que – dentro deles e à sua volta – não tinham retorno.
Ficavam. Iam ficando. Às vezes com prolongada dor, às vezes com um heroísmo de que não se julgavam capazes. O tempo, porém, trazia, devagar, a calma, a alegria serena, a luz que parecia ter desaparecido. Aprendiam que o amor também passa como que por uma conturbada fase de adolescência, até que vem a tornar-se maduro, se purifica, se fortalece e embeleza.
Depois ficavam tão contentes! Tudo tinha sido útil, tudo tinha tido o seu papel. Também a dor; também os esforços que pareciam inúteis; e as cedências e os silêncios e as humilhações.
Viam com toda a clareza como por coisa perdida tinham ganhado mil; como por cada lágrima derramada tinham oceanos de sorrisos; como por cada generosa tentativa, aparentemente frustrada, haviam recolhido cestos e cestos de consolação. Olhavam e viam os filhos e os netos; a casa cheia de rebuliço; tranças louras; corridas atrás do gato; o indescritível prazer de voltar a contar as velhas histórias. “Avó, conta outra vez a da Cinderela”…; “Avô, é mesmo verdade que antes havia duas R.T.P.?”… Viam, como num sonho, o passado e o futuro unidos por um nó que eram eles mesmos. Um nó que nada tinha podido quebrar e permitira o futuro, novos seres, outros sonhos tão iguais aos que eles mesmos tinham sonhado. Haviam suportado a tempestade e passado o Cabo; a Índia estava ali à frente dos olhos; o caminho, aberto para tantos e tantos cujos rostos eles nem sequer imaginavam. Tinham tido um lugar no longo fio da vida; tinham sido alicerce e cimento; tinham as mãos cheias de sol. Nunca morreriam.……………….
(Pode parecer que estive aqui a descrever um quadro que me encantou num museu qualquer… mas não. Sei muito bem que isto, só isto, é real e verdadeiro; que só isto é de hoje e de sempre.)

domingo, 1 de novembro de 2009

O pote rachado


Havia na Índia um carregador de água que transportava – em ambas as pontas de uma vara que levava atravessada no pescoço – dois potes grandes de barro. Um dos potes tinha uma racha e o outro era perfeito. O pote perfeito chegava sempre cheio ao final do longo caminho que ia do poço até à casa do patrão. Mas o pote rachado chegava apenas com metade da água.
E assim, durante dois anos, o carregador entregou diariamente um pote e meio de água em casa do seu senhor. O pote perfeito, é claro, estava orgulhoso do seu trabalho.
O pote rachado, porém, estava envergonhado da sua imperfeição. Sentia-se miserável por apenas ser capaz de realizar metade da tarefa a que estava destinado. Depois de perceber que, ao longo de dois anos, não tinha passado de uma amarga desilusão, o pote disse um dia ao homem, à beira do poço:



- Estou envergonhado e quero pedir-te desculpa. Durante estes dois anos só entreguei metade da minha carga, porque a minha racha faz com que a água se vá derramando ao longo do caminho. Por causa do meu defeito, tu fazes o teu trabalho e não ganhas todo o salário que os teus esforços mereciam. O homem ficou triste com a tristeza do velho pote, e disse-lhe com compaixão:


- Quando voltarmos para casa do meu senhor, quero que repares nas flores que se encontram à beira do caminho. De facto, à medida que iam subindo a montanha, o pote rachado reparou em que havia muitas flores selvagens à beira do caminho e ficou mais animado.
Mas no final do percurso, tendo-se vazado mais uma vez metade da água, o pote sentiu-se mal de novo e voltou a pedir desculpa ao homem pela sua falha. Então, o homem disse ao pote:




- Reparaste em que, ao longo do caminho, só havia flores de teu lado? Reparaste também em que, quando vínhamos do poço, todos os dias, tu ias regando essas flores? Ao longo de dois anos, eu pude colher flores para ornamentar a mesa do meu senhor. Se tu não fosses assim como és, ele não poderia ter essa beleza para dar graça à sua casa.



(Autor desconhecido)

Existe por estes lados

Existe por estes lados! 
O lado do dado voou...
Fingiu ser tudo determinado!
Mergulhou no silêncio do som.
Afogou-se o pensamento vasto.
Murmúrio comedido, ecoa.
Estará louco ou fingido?
Será sufoco ou excesso?
Terminou por estes lados

Existiu por estes lados!

O tempo e o espaço

Sentia-se pesado. Não estando apaixonado por ela, a sua companhia fazia-lhe bem. Era um misto de prazer e profundo carinho. Notava nela algo mais que isso. Companheirismo. Requeria dele a presença constante. Era um arrebatamento que em determinadas alturas, a ela lhe doía a alma. Ele não sentia o mesmo. Mas sentia o dela, e com ela se arrebatava. Com ela trocavam feridas abertas. Ela sem falar. Ele derramando tudo para fora. Outras vezes apenas estava. Tornava-se leve o momento em que falavam de coisas banais. Pesado quando se tocavam em emoções. Apenas o era existia. Apenas o sentir se proclamava. Apenas desabafava existia. A torrente aumentou o caudal. O abraço tornou-se mais amplo. As canseiras tornavam-se motor de tudo. O rodopio da carne fingia ser panaceia para todos os males.
No inicio ele colocava o tom no seu pensar. Não sabia o que queria. Apenas lhe dizia o que não queria. Sentia-se no carrossel das emoções. Perigoso, mas de nada fugia. Não, não era palavra do seu dicionário. Assumiu o compromisso interno. Em piruetas amargas e cheias de suor amarou o barco no porto. Em nada se mostravam. Não se regiam por compromisso nenhum. Apenas o que cada ser humano deve ser para si próprio, amado e amante. Ele pensando nela.
Tornava-se incrédulo. Partilhava o espaço dela. A sua imagem, o seu cheiro quando saía, ficavam lá. Ela pensando verificava que algo dele ficava para trás. Ele, dela trazia lembranças de bons mementos passados. De algumas indisposições. Mas pouco mais. Os contactos passaram a ser mais frequentes. As emoções vividas mais fortes. O partilhar era o mútuo. Partilhavam ideias. Partilhavam emoções. Partilhavam vivencias. Partilhavam corpos. No fundo a disponibilidade dele comandava. O espaço de partilha era dela. Mas o tempo de partilha era dele. O humor, em determinadas alturas, alterava-se. O espaço tornava-se pequeno para ele. Dono do mundo se sentia. O mundo para ele era pequeno demais. O tempo para ela era escasso. Queria todo o tempo do mundo. Queria ser dona do tempo. Pouco tempo não era nada. Tempo nenhum era insuportável.

Quem Amamos?


Quem amamos? O que amamos? Porque precisamos de amar algo, alguma coisa ou alguém? Amamos pura e simplesmente! A comichão que se sente torna-se insuportável. É atroz pensar que nada nos faz sentir melhor. A sensação de formigueiro mantêm-se e nada sai de nós. Sentimos força e nada podemos fazer. O objecto de amor está longínquo. Inalcançável. Tornamo-nos prisioneiros desse sentir. As mãos tremem. Os poros do no corpo abrem-se. Torrentes de mar saem deles. Paralisia cerebral. A paixão invade-nos. Morremos em pequenos momentos. Apenas pensamos no objecto dessa paixão. Todas as energias vão nesse sentido. Todas as células do nosso corpo trabalham para esse fim. O direito de possuir torna-se realidade imaginada. Todo o deslocamento é apenas miragem. O pensamento voa para o mesmo mundo. Temos momentos de lucidez ocultados por loucura fugidia. É o reino da satisfação. Existe e é puramente estonteante. Cegos e longe do mundo hibernamos em nos próprios. Somos autómatos movidos pela saborosa loucura do prazer. Apenas interesse temos em nos satisfazer. Apenas as sensações comandam. A cegueira chega. Os nossos olhos apenas vêm aquilo que querem ver. Tornamo-nos fortes e invencíveis. O prazer aparece. A explosão acontece. Surpreendidos queremos mais. Repetem-se as mesmas sensações. A cegueira volta. O objecto de paixão sente-se usado. Muda a aparência. Volta a ser apenas objecto de desejo. Finda a loucura fugaz.